Um problema observado com bastante freqüência na Justiça do Trabalho mineira é aquele enfrentado pelo trabalhador que, apesar de preencher todos os requisitos caracterizadores da relação de emprego, presta serviços sem anotação da sua CTPS. Muitas empresas contratam – inclusive menores - sem qualquer registro em carteira, alegando que assim poderão pagar melhores salários. Na maioria das vezes, o trabalhador, carente de recursos financeiros, aceita essa situação pela necessidade de manutenção do emprego, tornando-se, assim, vítima da sonegação de direitos trabalhistas básicos.
A Carteira de Trabalho e Previdência Social, documento fundamental que possibilita ao empregado o reconhecimento de seus direitos trabalhistas e previdenciários, é disciplinada pelos artigos 13 a 56 da CLT. A CTPS foi introduzida no nosso país pelo Decreto 21.175, de 21 de março de 1932, antes mesmo de entrar em vigor a CLT, em 1943. No início, o uso da CTPS era facultativo, mas, atualmente, ela é obrigatória para o exercício de qualquer modalidade de trabalho regido pela legislação trabalhista. Quando o empregado é admitido - mesmo em contrato de experiência - a empresa tem que fazer as anotações na carteira de trabalho, obrigatoriamente, no prazo de 48 horas, a contar da admissão do empregado, sob pena de multa, que será aplicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A recusa em dar baixa ou anotar CTPS por parte do empregador, constitui violação de direito trabalhista mediante fraude, nos termos do artigo 203 do Código Penal. Nessa circunstância, o magistrado ou tribunal trabalhista deve dar ciência ao Ministério Público, remetendo as peças necessárias do processo e prestando as eventuais informações pertinentes, a fim de que o MP possa ajuizar a eventual ação penal cabível.
Na Vara do Trabalho de Januária, o juiz titular Anselmo José Alves analisou uma ação trabalhista declaratória ajuizada por dois fazendeiros contra um trabalhador e a União Federal. Os fazendeiros relataram que, em fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, ficou estabelecido que o réu era seu empregado e trabalhava sem registro do contrato de trabalho em sua CTPS, quando, na verdade, o rapaz nunca foi seu empregado. De acordo com a tese dos fazendeiros, não poderia haver vínculo empregatício entre as partes, pois o rapaz era estudante e no horário de trabalho ele estaria na escola. Portanto, o rapaz não poderia se dedicar aos estudos e ao trabalho, ao mesmo tempo, já que os horários de ambas as atividades eram incompatíveis.
Ao analisar esse processo, o juiz encontrou algumas dificuldades, devido à escassez de provas. Havia apenas alguns depoimentos frágeis de testemunhas e uma fotografia embaçada, em preto e branco, que teria sido tirada no momento em que o rapaz trabalhava na fazenda como puxador de lenha. A respeito dessa fotografia, o magistrado deixou registradas as suas impressões: “O documento que está nos autos é uma cópia em preto e branco, com alto contraste, somente igualável ao alcançado com os antigos filmes Kodalith, fabricados unicamente para fins publicitários ou artísticos. Embora o referido ‘documento’ apresente uma bela composição artística, sugerindo primorosamente uma aridez sertaneja que encontra correspondente fiel na prosa descritiva de Graciliano Ramos em ‘Vidas Secas’, de nada serve para efeitos de identificação inequívoca de quem não esteve presente naquele set”.
Entretanto, apesar da fragilidade das provas, o julgador solucionou a lide, já que os fazendeiros não conseguiram comprovar que o rapaz estava mesmo matriculado em escola e que freqüentava regularmente as aulas ministradas, em horário incompatível com as atividades desenvolvidas na fazenda. Por esses fundamentos, o juiz sentenciante concluiu que, ao tempo da ação do Ministério do Trabalho e Emprego na fazenda, o trabalhador encontrava-se, inequivocamente, prestando serviços, sem anotação da CTPS, para os fazendeiros e, portanto, havia vínculo de emprego entre as partes.